sexta-feira, 20 de maio de 2011

O Ensino de Ciências Naturais nas Séries Iniciais

O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS NAS SÉRIES INICIAIS

Leonir Lorenzetti[1][1]

RESUMO - O presente artigo analisa a importância do Ensino de Ciências Naturais nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental. É parte de dissertação de mestrado que analisa os significados da alfabetização científica e elabora um conceito de alfabetização científica para as séries iniciais de escolaridade.

AS RAZÕES PARA ENSINAR CIÊNCIAS NATURAIS

Muito se tem discutido e escrito sobre a importância do ensino de Ciências Naturais em todos os níveis de escolaridade.

A importância do ensino de Ciências é reconhecida por pesquisadores da área em todo o mundo, havendo uma concordância relativa à inclusão de temas relacionados à Ciência e à Tecnologia nas Séries Iniciais. Apesar da convergência de opiniões e de sua incorporação pelas propostas curriculares e planejamentos escolares, ainda hoje em dia a criança sai da escola com conhecimentos científicos insuficientes para compreender o mundo que a cerca.

Diante de tal fato, podem ser formuladas questões como: Qual é, afinal, a importância dos conhecimentos científicos para a vida dos educandos? Quais aspectos devem ser enfatizados ao se ensinar Ciências Naturais? Quais as demandas da sociedade em decorrência do desenvolvimento científico e tecnológico? Como as pessoas e as escolas deveriam agir perante o amplo desenvolvimento da ciência e da técnica?

Considerando que a Ciência e a Tecnologia desempenham um papel muito importante na escola elementar, em 1983, a UNESCO elencou algumas justificativas para a inclusão desses temas nos currículos escolares.

· As ciências podem ajudar as crianças a pensar de maneira lógica sobre os fatos cotidianos e a resolver problemas práticos simples.

· As ciências, e suas aplicações tecnológicas, podem ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas. As ciências e a tecnologia são atividades socialmente úteis que esperamos sejam familiares às crianças.

· Dado que o mundo tende a orientar-se cada vez mais num sentido científico e tecnológico, é importante que os futuros cidadãos se preparem para viver nele.

· As ciências podem promover o desenvolvimento intelectual das crianças.

· As ciências podem ajudar positivamente as crianças em outras áreas, especialmente em linguagem e matemática.

· Numerosas crianças de muitos países deixam de estudar ao acabar a escola primária, sendo esta a única oportunidade de que dispõem para explorar seu ambiente de um modo lógico e sistemático.

· As ciências nas escolas primárias podem ser realmente divertidas “. (UNESCO apud HARLEN, 1994, p. 28-29, tradução minha, grifos meus).

Segundo FRACALANZA; AMARAL & GOUVEIA (1986):

“... o ensino de ciências no primeiro grau, entre outros aspectos, deve contribuir para o domínio das técnicas de leitura e escrita; permitir o aprendizado dos conceitos básicos das ciências naturais e da aplicação dos princípios aprendidos a situações práticas; possibilitar a compreensão das relações entre a ciência e a sociedade e dos mecanismos de produção e apropriação dos conhecimentos científicos e tecnológicos; garantir a transmissão e a sistematização dos saberes e da cultura regional e local” (p. 26-27).

As razões apontadas acima se contrapõem ao ensino livresco, memorístico, acrítico e a-histórico ministrado na maioria das escolas. Para mudar esta realidade, torna-se necessário desenvolver um ensino de Ciências que tenha como foco, nas Séries Iniciais de escolaridade, “a ação da criança, a sua participação ativa durante o processo de aquisição do conhecimento, a partir de desafiadoras atividades de aprendizagem”. (FRIZZO & MARIN, 1989, p. 14).

FRACALANZA; AMARAL & GOUVEIA (1986) afirmam também que o ensino de Ciências, além dos conhecimentos, experiências e habilidades inerentes a esta matéria, deve desenvolver o pensamento lógico e a vivência de momentos de investigação, convergindo para o desenvolvimento das capacidades de observação, reflexão, criação, discriminação de valores, julgamento, comunicação, convívio, cooperação, decisão, ação, entendidos como sendo objetivos do processo educativo. Estas habilidades descritas são instrumentos de suma importância para a vida do educando pois, em muitas situações de sua existência, estas habilidades estarão presentes e, é em nível elementar que estas habilidades podem ser iniciadas, permitindo ao aluno discutir e analisar o conhecimento que está sendo construído.

O ensino de Ciências nas Séries Iniciais deverá propiciar a todos os cidadãos os conhecimentos e oportunidades de desenvolvimento de capacidades necessárias para se orientarem nesta sociedade complexa, compreendendo o que se passa à sua volta, tomando posição e intervindo na sua realidade.

Desta maneira, estaremos possibilitando condições para que o educando exerça a sua cidadania. “Para o exercício pleno da cidadania, um mínimo de formação básica em ciências deve ser desenvolvido, de modo a fornecer instrumentos que possibilitem uma melhor compreensão da sociedade em que vivemos” (DELIZOICOV & ANGOTTI, 1990, p.56). Assim, todos os indivíduos devem receber uma formação mínima em ciências para a sua formação cultural, uma vez que o "corpus" do conhecimento científico das Ciências Naturais é parte constitutiva da cultura elaborada. Ademais, é no âmbito das Séries Iniciais que a criança constrói seus conceitos e apreende de modo mais significativo o ambiente que a rodeia, através da apropriação e compreensão dos significados apresentados mediante o ensino das Ciências Naturais.

Sabe-se que o acesso ao conhecimento científico se dá de diversas formas, e em diferentes ambientes, mas é na escola que a formação de conceitos científicos é introduzida explicitamente, oportunizando ao ser humano a compreensão da realidade e a superação de problemas que lhe são impostos diariamente. Assim, deve-se ter em conta que o ensino de Ciências, fundamentalmente, objetiva fazer com que o educando aprenda a viver na sociedade em que está inserido.

O ensino de Ciências com seus métodos, linguagem e conteúdos próprios deve promover a formação integral do cidadão, como ser pensante e atuante, e como co-responsável pelos destinos da sociedade. A criança, desde as Séries Iniciais de escolaridade, é cidadã que se constrói através de inúmeros atos interativos com os outros e com o meio em que vive. Ela é sujeito de seus conhecimentos. “O propósito mais geral do ensino das Ciências deverá ser incentivar a emergência de uma cidadania esclarecida, capaz de usar os recursos intelectuais da Ciência para criar um ambiente favorável ao desenvolvimento do Homem como ser humano”. (HURD apud CARMO, 1991, p. 146).

No que respeita ao exercício da cidadania, FUMAGALLI (1998) explicita que se deve perceber o aluno das Séries Iniciais também como sujeito social de sua própria história.

“Cada vez que escuto que as crianças pequenas não podem aprender ciências, entendo que essa afirmação comporta não somente a incompreensão das características psicológicas do pensamento infantil, mas também a desvalorização da criança como sujeito social. Nesse sentido, parece que é esquecido que as crianças não são somente ‘o futuro’ e sim que são ‘hoje’ sujeitos integrantes do corpo social e que, portanto, têm o mesmo direito que os adultos de apropriar-se da cultura elaborada pelo conjunto da sociedade para utilizá-la na explicação e na transformação do mundo que a cerca. E apropriar-se da cultura elaborada é apropriar-se também do conhecimento científico, já que este é uma parte constitutiva dessa cultura.” (p. 15).

Esta autora afirma ainda que não ensinar ciências nas Séries Iniciais, utilizando-se do argumento que as crianças não possuem capacidades intelectuais, é uma forma de discriminá-las como sujeitos sociais. Defende ainda que, embora no discurso pedagógico reconhece-se a importância social de abordar as ciências no nível básico de educação, na prática escolar o conhecimento científico e tecnológico parece estar ausente, tendo em vista a prioridade ao ensino das matérias chamadas instrumentais (Matemática e Linguagem). Desta forma, o ensino de Ciências, principalmente na primeira e segunda séries, ocupa um lugar residual, no qual chega a ser incidental.

FUMAGALLI (1998) afirma também que se deve valorizar a prática social presente nas crianças. Quando se ensina Ciências, nas Séries Iniciais, está-se formando o cidadão e não apenas futuros cidadãos. Argumenta que os alunos, “enquanto integrantes do corpo social atual, podem ser hoje também responsáveis pelo cuidado do meio ambiente, podem agir hoje de forma consciente e solidária em relação a temas vinculados ao bem-estar da sociedade da qual fazem parte” (p. 18). Valorizando a criança como sujeito social atual, estar-se-á contribuindo para a sua ação como adulto responsável e crítico na sociedade.

HARLEN (1989) apresenta três argumentos para a introdução de temas relativos às ciências na escolarização elementar:

a) As crianças constroem idéias sobre o mundo que as rodeia, independentemente de estarem estudando ou não ciências na escola. As idéias por elas desenvolvidas não apresentam um enfoque científico de exploração do mundo e, podem, inclusive, obstaculizar a aprendizagem em ciências nos graus subseqüentes de sua escolarização. Assim, se os assuntos de ciência não forem ensinados às crianças, a escola estará contribuindo para que elas fiquem apenas com seus próprios pensamentos sobre os mesmo, dificultando a troca de pontos de vista com outras pessoas.

b) A construção de conceitos e o desenvolvimento do conhecimento não são independentes do desenvolvimento de habilidades intelectuais. Portanto, é difícil ensinar um “enfoque científico”, se não são fornecidas às crianças melhores oportunidades para conseguir tratar (processar) as informações obtidas.

c) Se as crianças, na escola, não entrarem em contato com a experiência sistemática da atividade científica, irão desenvolver posturas ditadas por outras esferas sociais, que poderão repercutir por toda a sua vida.

PRETTO (1995), ao discutir o ensino de Ciências nos livros didáticos, apresenta quatro argumentos em sua defesa no Ensino Fundamental. “O conhecimento científico é uma maneira de se interpretar os fenômenos naturais; a ciência é parte integrante da cultura; a ciência faz parte da história das diferentes formas de organização da sociedade; e o desenvolvimento científico e tecnológico é cada vez mais acentuado.” (p. 19).

As crianças, desde cedo, precisam conhecer e interpretar os fenômenos naturais, situando-se no Universo em que estão inseridas e interpretando a Natureza.

A ciência precisa ser entendida como um elemento da Cultura, tendo em vista que os conhecimentos científicos e tecnológicos desenvolvem-se em grande escala na nossa sociedade, resultante do trabalho do homem, do seu esforço criador, e não de um momento mágico, no qual o homem cria, a partir do nada, teorias e leis.

Ao considerar ciência como um elemento do universo cultural, deve-se considerar que ela possui uma história. A produção do conhecimento científico está relacionada com os diversos momentos históricos do seu surgimento, recebendo influências das instâncias econômicas, sociais, políticas, religiosas, entre outras, e também sobre elas exercendo a sua influência. (PRETTO, 1995, p. 19-20).

O ensino de Ciências não pode ser desenvolvido como um elemento independente do todo social e, além disso, deve auxiliar o cidadão na compreensão das múltiplas questões com as quais lidamos no nosso cotidiano e que envolvem elementos da ciência e da técnica.

Pode-se pensar que o ensino de Ciências deva contribuir para o próprio crescimento da ciência, garantindo a formação inicial e o estímulo à posterior profissionalização dos cientistas e técnicos aptos a dar respostas às necessidades sociais (CARMO, 1991). Não obstante, sua principal função deverá ser a de proporcionar aos indivíduos uma melhor compreensão não só da ciência e de sua natureza, como também do papel da ciência na sociedade atual. Assim, o ensino de Ciências deverá possibilitar a todos os alunos uma formação científica básica, capacitando-os a compreender o funcionamento de seu mundo, ao mesmo tempo em que pode incentiva-los a prosseguir seus estudos nos campos da ciência e da técnica.

NECESSIDADES DE MUDANÇA: SINALIZANDO POSSIBILIDADES

Analisando a literatura educacional sobre o ensino de Ciências Naturais, constata-se a existência de inúmeras críticas relacionadas, em especial, aos procedimentos de ensino empregados pelos professores, à formação inicial e continuada dos professores e à utilização do livro didático no magistério das Séries Iniciais do Ensino Fundamental.

Mas, quais são, afinal, as principais críticas referidas na literatura e que contribuem para a melhor compreensão do ensino praticado em nossas escolas nesse nível de escolaridade?

De início, deve-se considerar que as crianças adoram aprender. Portanto, é vital que os professores levem em consideração que as crianças, mesmo antes de freqüentarem a escola, manifestam um interesse muito grande pelas coisas da natureza, apresentando curiosidades, demonstrando interesse para descobrir como as coisas funcionam e repetindo incansavelmente suas dúvidas e os porquês. A criança mostra curiosidade pelo ambiente em que vive. Assim, ao estudar o ambiente, ela estará se envolvendo em situações reais com as quais está familiarizada. Por outro lado, dependendo das suas vivências na escola, esta curiosidade da criança pode-se perder à medida que ela avança na escolaridade. “O entusiasmo e o gosto por saber, especialmente relacionado com as coisas da ciência, vai declinando. O gosto pela ciência vai diminuindo e freqüentemente se extingue. Muitas vezes aquilo que era gosto inerente ao jovem, acaba por se transformar em aversão” (CANIATO, 1997, p. 46).

De fato, é notório o descompasso que existe entre o ensinado em sala de aula e a realidade dos alunos, o que torna as aulas de Ciências Naturais irrelevantes e sem significado, pois o que se veicula nas escolas quase nunca se relaciona com os conhecimentos anteriormente construídos pelos educandos. “Na maioria das escolas, o ensino de ciências não trabalha com a identificação, o reconhecimento e a compreensão do mundo físico e do mundo dos seres vivos, não faz relação entre o dia-a-dia da criança e a ciência que se estuda” (FRACALANZA; AMARAL; GOUVEIA, 1986, p. 8).

Ao ingressar na escola o aluno já interagiu de muitas maneiras com o meio físico, com isso construindo o seu universo de conhecimento, o qual se constitui nas denominadas “concepções alternativas, espontâneas, ou de senso comum” (PFUNDT & DUIT, 1994). Caberia, então, ao professor reconhecer estes conhecimentos já construídos e, a partir deles, desenvolver a sua prática pedagógica.

Mesmo que algumas iniciativas de mudança estejam ocorrendo, o ensino de Ciências ainda se caracteriza por um excesso de informações e pela ênfase em sua memorização. (MILAGRE, 1989; DELIZOICOV & ANGOTTI, 1990; PACHECO, 1996). Tradicionalmente, as ciências têm sido ensinadas como uma coleção de fatos, descrições de fenômenos e enunciados de teorias para memorizar. Enfatizam-se muitos conceitos que pouco contribuirão para a vida do aluno na sociedade. Estes, por sua vez, conforme a usual prática escolar, deverão ser, quando muito, recitados na forma com que foram supostamente aprendidos.

Entretanto, a prática pedagógica deveria oportunizar, para além do exercício da verbalização de idéias, discutir as causas dos fenômenos, entender os mecanismos dos processos que estão estudando, analisar onde e como aquele conhecimento apresentado em sala de aula está presente em sua vida e, sempre que possível, relacionar as implicações destes conhecimentos na sociedade.

No Ensino Fundamental e, em especial, nas Séries Iniciais, o enfoque do professor deverá recair primeiramente sobre a compreensão dos conhecimentos científicos para somente após nomeá-los, conceituando-os. Não obstante, freqüentemente observa-se que, nas avaliações que praticam, os professores preocupam-se em demasia em nomear os conceitos e esquecem o processo de sua compreensão. As teorias científicas apresentam um repertório de leis e enunciados fortemente estruturados e de difícil compreensão e abstração. Muitas destas não são possíveis de ser compreendidas nas primeiras séries do Ensino Fundamental. Nestas séries os professores deverão selecionar e adequar quais conteúdos priorizar para desenvolver e promover a compreensão da ciência. Este processo tem sido denominado de transposição didática.

Segundo HARLEN (1994), o modo de aprender das crianças se baseia na construção de sua própria visão do mundo, da seleção, da atuação e das formas de pensar e das idéias úteis para sua vida. Sua aprendizagem dependerá de como se efetuam a seleção e de como atuam. Argumenta ainda que o ensino de Ciências deverá ser desenvolvido para que os alunos “descubram o significado do mundo”. (p. 15).

As Ciências Naturais passam a ter significado à medida que possibilitam a compreensão dos fenômenos e objetos científicos através da interação que se estabelece e das relações construídas com outros saberes.

Todavia, ao limitar o ensino de Ciências aos chamados produtos da ciência, isto é, apenas aos conteúdos, deixam-se de lado os processos da ciência, ou seja, os eventos e procedimentos que levaram às descobertas científicas. “Assim, para muitos alunos, aprender ciências é decorar um conjunto de nomes, fórmulas, descrições de instrumentos ou substâncias, enunciados de leis. Como resultado, o que poderia ser uma experiência intelectual estimulante passa a ser um processo doloroso que chega até a causar aversão.” (KRASILCHIK, 1987, p. 52).

Além disso, a forma como os conteúdos são apresentados em sala de aula contribui para um ensino deficiente em ciência. Na maioria das vezes, os conceitos dos conteúdos são apenas apresentados, seguindo-se uma série de exercícios em que o aluno copia literalmente os conceitos apresentados no texto. Utilizam-se jogos, exercícios de completar, palavras cruzadas que induzem à memorização mecânica das respostas.

Desse modo, os exercícios parecem ter somente a função de ocupar as crianças no período escolar. Todavia, ao aluno deveria ser propiciada a oportunidade de extrapolar e projetar aquele conhecimento para outras situações, questionando e entendendo como aquele conhecimento está presente no seu cotidiano.

Para muito além dos costumeiros exercícios escolares, é reconhecida a importância das atividades práticas, seja em laboratório próprio ou em sala de aula, como um espaço que envolve a participação ativa dos alunos, permitindo que os educandos compreendam parte do processo científico, ou seja, como parte da ciência produz o seu conhecimento, com suas certezas e incertezas.

Embora se saiba da relativa importância dada aos laboratórios escolares, é preciso reconhecer a ausência de laboratórios minimamente organizados nas escolas, sua insuficiência ou inadequação de seu uso, o que se constitui em entrave para a melhoria do ensino de Ciências. Muitas vezes os professores, até mesmo, utilizam a falta de laboratório para justificar a não realização de atividades práticas.

Entretanto, no ensino de Ciências Naturais nas Séries Iniciais, a sala de aula e o meio ambiente se constituem em espaços que poderiam ser ocupados para estas atividades. O local da atividade e os materiais empregados são fatores de pouca relevância, mas o enfoque e a forma de apresentação das atividades práticas poderia contribuir para o desenvolvimento ímpar de aprendizagem significativa.

Verifica-se, por outro lado, que quando as escolas estão equipadas com materiais e equipamentos, os laboratórios permanecem freqüentemente fechados, porque o professor está, de modo geral, despreparado para utilizá-los.

De fato, a formação deficiente dos professores constitui um fator preponderante do quadro de problemas percebidos no ensino de Ciências. Sabe-se que o professor termina o curso de Magistério, e até mesmo o Ensino Superior, usualmente sem a formação adequada para ensinar Ciências.

Desse modo, a prática pedagógica, influenciada diretamente pela formação deficiente dos professores, se traduz nas aulas de Ciências teóricas, baseadas nos livros textos, descontextualizados da realidade dos alunos. As práticas em laboratório escolar ou mesmo as experiências em sala de aula, quando realizadas, nem sempre desenvolvem o raciocínio lógico e não contribuem para a construção de outros conhecimentos. Acentua-se, por isso, não apenas a necessidade de se repensar o currículo de formação de professores mas, principalmente a formação continuada de professores, mediante ações especificamente voltadas para as questões da prática pedagógica.

A par da formação deficiente do professor, também o livro didático, considerado um dos principais instrumentos do processo ensino-aprendizagem, contribui para agravar o problema do ensino de Ciências praticado em nossas escolas. Para FRACALANZA; AMARAL; GOUVEIA (1986, p. 18), “o livro didático, que muito eficazmente padronizou propostas curriculares de ciências, acabou por subjugar o ensino de ciências, tornando-se seu orientador exclusivo, e transformou-se de auxiliar didático em ditador de planejamento”. Esta constatação pode ser facilmente percebida quando, ao se analisar os planos de ensino dos professores, se constata que eles representam uma cópia fiel dos conteúdos apresentados no livro didático adotado pela escola, orientando as atividades diárias de sala de aula.

Assim, o livro didático que deveria servir como elemento estimulador, desenvolvendo a capacidade dos alunos, passa a ser um elemento limitador e uniformizador da aprendizagem. PRETTO (1995), ao analisar os livros didáticos de Ciências de 1ª a 4ª série, identificou uma semelhança impressionante no conteúdo, na ordem e na forma de apresentação dos conteúdos nos diversos manuais escolares.

KRASILCHIK (1987, p.49) critica os livros didáticos, ao afirmar que são “veículos explícitos ou implícitos de ideologias, incoerentes com as propostas das mudanças. Transmitem preconceitos contra minorias sociais e étnicas. Apresentam valores controvertidos sobre relações entre a Ciência e a Sociedade e entre pesquisadores e a comunidade.” Afirma ainda que nos livros exagera-se no uso de cores nas ilustrações, figuras caricaturescas que supostamente agradam aos alunos, além de exercícios do tipo quebra-cabeças que são primários na sua demanda intelectual.

Para ALVES (1987), os livros didáticos na sua maioria ignoram aquilo que o aluno já sabe. “Os conceitos que emitem são de uma notável tautologia; não só repetem aquilo que o aluno conhece, como se fosse novidade, como repetem ‘ ad nauseam’ os mesmos conceitos, os mesmo desenhos, as mesmas explicações.” (p. 15). Argumenta ainda que os professores devem reverter esta prática, partindo do conhecimento que o aluno já possui, para “fazer valer dentro da escola a realidade do aluno e a apreensão que ele já traz desta realidade, e para que se tenha ‘a prática social como ponto de partida e ponto de chegada do processo pedagógico’” . (p. 15).

Na escolha do livro didático os professores deveriam considerar se as atividades propostas no livro apenas reforçam os conteúdos apresentados ou são importantes para a própria formação de conceitos científicos pelos alunos. Além disso, deveriam “verificar se as atividades levam em conta a vivência e o nível cognitivo de seus alunos (...) perceber o grau de dificuldades de cada uma das propostas de atividades sugeridas, bem como a viabilidade de sua realização nas condições escolares” . (FRACALANZA; AMARAL; GOUVEIA, 1986, p. 33).

MOYSÉS & AQUINO (1987) verificaram o entendimento que os escolares apresentavam em relação ao livro texto e constataram que os alunos preferem os livros que favorecem mais à compreensão que a memorização. Além disso, eles também explicitaram que gostariam que os livros apresentassem mais exemplos e os conteúdos apresentados estivessem aliados ao seu cotidiano. “Como este cotidiano não se dá mediante quadros sinóticos, resumos e textos truncados, sugerem que as explicações sejam maiores e mais claras.” (p.13).

Entretanto, face à excessiva padronização dos livros escolares, dificilmente o professor tem condições de, baseado apenas nesses recursos, alterar substantivamente sua proposta de ensino. Além disso, face ao poder das editoras, dificilmente essa situação poderá ser alterada no curto prazo. Entretanto, mediante propostas de formação continuada, os professores poderiam ser estimulados a utilizarem materiais alternativos – jornais, revistas, livros não escolares, jogos etc. – ou desenvolverem atividades apropriadas como, por exemplo, as de estudo do meio.

Nas Séries Iniciais a criança defronta-se com o conhecimento científico e sua compreensão dependerá da concepção de Ciência e de Educação que baliza a prática pedagógica. Para muitos professores, o ensino de Ciências Naturais é desenvolvido de forma propedêutica, preparando a criança para o futuro. Porém, “O estudante não é só cidadão do futuro, mas já é cidadão hoje, e, nesse sentido, conhecer Ciência é ampliar a sua possibilidade presente de participação social e desenvolvimento mental, para assim viabilizar sua capacidade plena de exercício da cidadania.” (BRASIL, 1997a, p. 23).

Na sociedade atual dominada pelos conhecimentos científicos e pelos produtos tecnológicos, é importante e desejável, e até essencial, que o público em geral tenha mais e melhores informações sobre a Ciência e a Tecnologia.

Discutindo a importância da ciência, BODMER (1986) afirma que as pessoas nas suas vidas cotidianas precisam de algum entendimento de ciência para a sua própria satisfação pessoal e bem-estar. Quanto mais as pessoas conviverem e discutirem sobre a utilização da Ciência e da Tecnologia, maior será a possibilidade de ampliação da alfabetização científica desta população, porque os assuntos científicos passam a ser discutidos como qualquer outro assunto, pelo interesse que despertam e pelas possibilidades de alteração nas relações sociais que se impõem na sociedade. A ciência, que hoje se constitui num conhecimento profundamente sedimentado na cultura popular pode possibilitar aos cidadãos mudar seus pontos de vista e atitudes.

Um público cientificamente informado em ciências é uma das condições prévias para o efetivo funcionamento de uma sociedade democrática, permeada pela Ciência e Tecnologia.

Enquanto cidadãos e membros de uma sociedade democrática, todos são convocados a discutir e votar em assuntos que envolvem a Ciência e a Tecnologia. Também no dia-a-dia e no trabalho a maioria das pessoas está envolvida de múltiplas formas com questões científicas. Desse modo, as pessoas necessitam de algum entendimento científico, para auxiliá-las quer diariamente em sua vida pessoal e profissional, quer nas suas decisões no âmbito das relações sociais.

Assim, espera-se que as questões públicas envolvendo a ciência sejam melhores compreendidas e que melhores decisões sejam tomadas quanto maior for o entendimento público da ciência. Melhorar o entendimento público de ciência e influenciar na tomada de decisões, nos órgãos governamentais e na vida prática das pessoas, constituem-se em metas para as quais o ensino de Ciências Naturais certamente poderá contribuir. Através desta disciplina, nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, certamente a alfabetização científica poderá contribuir para que o aluno realize uma leitura inicial de mundo, compreendendo os significados dos conteúdos da ciência e de seus processos de produção. Entretanto, para que isso ocorra, as atividades docentes devem privilegiar a atribuição de significados, balizadas pelo processo de compreensão dos conteúdos e dos métodos, contrapondo-se a um ensino memorístico, descontextualizado, a-histórico e acrítico, que hoje em dia permeia com muita naturalidade o contexto escolar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Neila Guimarães. A saúde na sala de aula: uma análise nos livros didáticos. In: Cadernos CEDES: o cotidiano do livro didático, São Paulo: Cortez, n. 18, 1987.

BODMER, W. The public understanding of Science. London, 1986.

BRASIL. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Ciências Naturais. Brasília: MEC/SEF, 1997a.

CANIATO, Rodolpho. Com ciência na educação: ideário e prática de uma alternativa brasileira para o ensino de ciências. 3ª reimpressão, Campinas, SP: Papirus, 1997.

CARMO, José Manuel do. As ciências no ciclo preparatório: formação de professores para um ensino integrador das perspectivas da ciência, do indivíduo e da sociedade. In: Ler Educação, nº 5, maio/ago. 1991.

DELIZOICOV Demétrio; ANGOTTI, José André Peres. Metodologia do Ensino de Ciência. São Paulo: Cortez, 1990

FRACALANZA, Hilário; AMARAL, Ivan A.; GOUVEIA, Mariley S. Flória. O ensino de ciências no primeiro grau. São Paulo: Atual, 1986.

FRIZZO Marisa N.; MARIN, Eulália B.. O ensino de ciências nas séries iniciais. 3ª ed. Ijuí: UNIJUÍ, 1989.

FUMAGALLI, Laura. O ensino de ciências naturais no nível fundamental de educação formal: argumentos a seu favor. In: WEISSMANN, Hilda (Org.). Didática das ciências naturais: contribuições e reflexões, Porto Alegre: ArtMed, 1998.

HARLEN, W. Enseñanza y aprendizaje de las ciencias. 2ª ed., Madrid: Morata, 1994.

KRASILCHIK, Myriam. O professor e o currículo das ciências. São Paulo: EPU: EDUSP, 1987.

LORENZETTI, Leonir. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais. Florianópolis: Centro de Educação da UFSC, 2000. Dissertação de mestrado.

MILAGRE, Antônio Sérgio K. A dimensão histórica da prática científica como referência para o ensino de Ciências. In: Revista de Educação, AEC, Brasília, n. 72, 1989.

MOYSÉS, Lúcia Maria M.; AQUINO, Léa Maria G. T. de. As características do livro didático e os alunos. In: Cadernos CEDES: O cotidiano do livro didático, São Paulo: Cortez, n. 18, 1987.

PACHECO, Décio. Um problema no ensino de ciências: organização conceitual do conteúdo ou estudo dos fenômenos. In: Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 10, n. 19, 1996.

PFUNDT, H.; DUIT, R. Bibliography students’ alternative frameworks and science education. Kiel, Institute for Science & Education, 1994.

PRETTO, Nelson de Luca. A ciência nos livros didáticos, 2ª ed. Campinas: Editora da Unicamp/ Salvador: Editora da UFBa, 1995.



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